quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

O Gigante Egoísta


Todas as tardes, quando vinham da escola, as crianças costumavam ir brincar para o jardim do gigante.
Era um lindo jardim, com relva muito verde macia. Aqui e ali, no meio da relva surgiam bonitas flores, como estrelas, e havia doze pessegueiros que na Primavera irrompiam em delicadas flores cor-de-rosa e pérola, e no Outono davam abundantes frutos. Os pássaros poisavam nas árvores e cantavam tão suavemente que as crianças costumavam parar os seus jogos para os ouvirem. “Somos tão felizes, aqui!” gritavam uma às outras.
Um dia, o Gigante voltou. Ele tinha ido visitar o seu amigo ogre da Cornualha e tinha ficado com ele durante sete anos. Passados sete anos, já tinha dito tudo o que tinha a dizer, pois a sua conversa era limitada, e decidiu voltar para o seu próprio castelo. Quando chegou, viu as crianças a brincar no jardim.
“O que é que vocês estão aqui a fazer?” gritou ele com voz grossa, e as crianças fugiram.
“O meu jardim é o meu jardim”, disse o Gigante; “qualquer pessoa pode entender isso, e eu não permito que ninguém brinque nele a não ser eu.”

Então, construiu um muro alto a toda a volta do jardim e pôs um aviso: "QUEM ENTRAR SERÁ CASTIGADO!" Era na verdade um Gigante muito egoísta.
Agora as pobres crianças não tinham lugar para brincar. Tentaram brincar na estrada, mas estava muito suja e cheia de pedregulhos, e elas não gostavam. Costumavam vaguear à volta do muro alto quando as aulas acabavam, e falavam do lindo jardim que estava do outro lado. “ Como nós éramos felizes lá,“ diziam umas às outras.
Depois veio a Primavera, e por todos os campos se viam pequenas flores e passarinhos. Só no jardim do Gigante Egoísta é que ainda era Inverno. Os pássaros não estavam interessados em cantar lá, pois não havia crianças, e as árvores esqueciam-se de florir. Uma vez, uma linda flor espreitou para fora da relva, mas quando viu o aviso teve tanta pena das crianças que deslizou para a terra outra vez e deitou-se a dormir. Os únicos qu eestavam contentes eram a Neve e a Geada. "A Primavera esqueceu este jardim", gritavam elas, "assim podemos viver aqui durante todo o ano." A Neve cobria a relva com o seu magnífico manto branco, e a Geada pintava as árvores todas de prateado. Depois, convidaram o Vento Norte para ficar com elas, e ele veio. Vivia envolto em peles, rugia o dia inteiro pelo jardim e deitava abaixo as chaminés. "Este lugar é encantador", dizia ele, "temos de convidar o Granizo para nos visitar." E assim, o Granizo chegou. Todos os dias, durante três horas, ele ribombava no telhado do castelo até partir a maior parte das telhas, e depois corria o mais depressa que podia à volta do jardim. Andava vestido de cinzento e o seu sopro era como o gelo.
"Não percebo, porque é que a Primavera está tão atrasada", dizia o Gigante Egoísta, enquanto se sentava à janela e olhava lá para fora para o seu jardim branco e frio; "espero que o tempo mude". Mas a Primavera não chegou, nem o Verão. O Outono trouxe fruta dourada a todos os jardins, mas ao jardim do Gigante não trouxe nada. "É muito egoísta", disse ele. Assim, lá, ficou sempre Inverno, e o Vento Norte, o Granizo, a Geada e a Neve dançavam por entre as árvores em redor.
Uma manhã, o Gigante estava deitado na cama, acordado, quando ouviu uma música maravilhosa. Parecia tão suave aos seus ouvidos, que até pensou que eram os músicos do Rei que passavam. Na verdade, era apenas um pequeno pássaro que cantava na sua janela, mas tinha passado tanto tempo desde a última vez que tinha ouvido um pássaro cantar no seu jardim, que lhe parecia a música mais bonita do mundo. Então, o Granizo parou de dançar por cima da sua cabeça, e o Vento Norte parou de rugir, e um perfume delicioso chegou até ele através da janela aberta. "Acho que finalmente, chegou a Primavera", disse o Gigante; saltou da cama e olhou para fora. O que é que viu?
Viu um quadro maravilhoso. Através de um pequeno buraco no muro, as crianças tinham entrado no jardim e empoleiravam-se nos ramos das árvores. Em cada árvore que ele via, estava uma criança. E as árvores estavam tão contentes por terem as crianças de volta que se tinham coberto de flores e estavam a abanar os braços, gentilmente, por cima das cabeças das crianças. Os pássaros voavam e chilreavam alegremente, e as flores espreitavam pela relva verde e riam. Era uma visão maravilhosa; só num canto do jardim é que ainda era Inverno. Era o canto mais distante do jardim, e era lá que estava um pequeno rapazinho. Ele era tão pequeno que não conseguia chegar aos ramos da árvore, e andava à volta dela, chorando amargamente. A pobre árvore ainda estava bastante coberta de neve e o Vento Norte soprava e rugia lá em cima.
"Sobe, menino!", dizia a árvore, e baixava os seus ramos o mais que podia; mas o rapazinho era muito pequeno. E o coração do gigante enterneceu-se ao vê-lo. "Como tenho sido egoísta!" exclamou ele; "agora sei porque é que a Primavera não chegava até aqui. Vou pôr aquele rapazinho em cima da árvore, e depois vou deitar abaixo o muro, e o meu jardim vai ser o recreio das crianças para sempre". Ele estava realmente arrependido do que tinha feito.
Assim, desceu as escadas e abriu a porta da frente muito devagar, e foi lá para fora para o jardim. Mas quando as crianças o viram, ficaram tão assustadas que fugiram, e no jardim voltou a ser Inverno. Só o menino não fugiu, pois os seus olhos estavm tão cheios de lágrimas que não viu o Gigante aproximar-se. Ao chegar ao pé dele, o Gigante tomou-o gentilmente na sua mão e colocou-o na árvore.
 A árvore floriu imediatamente, e os pássaros vieram e cantaram, e o menino esticou os braços, rodeou o pescoço do Gigante e beijou-o. E as outras crianças, quando viram que o Gigante já não era mau, vieram a correr, e com elas a Primavera. "Este jardim agora é vosso, meninos", disse o Gigante, e agarrou numa picareta grande e deitou o muro abaixo. E quando as pessoas passaram para o mercado, às doze horas, encontraram o Gigante a brincar com as crianças no mais bonito jardim que já alguma vez tinham visto.
Brincaram durante todo o dia, e à tardinha vieram ter com o Gigante para lhe dar as boas-noites.
"Mas onde está o vosso pequeno companheiro?", perguntou ele: "o menino que eu coloquei na árvore"? O Gigante gostava mais dele porque ele tinha-o beijado.
"Nós não sabemos", responderam as crianças; "foi-se embora".
"Digam-lhe para vir amanhã, sem falta", disse o Gigante. Mas as crianças disseram que não sabiam onde é que ele morava, e que nunca o tinham visto antes; e o Gigante sentiu-se muito triste.
Todas as tardes, depois da escola acabar, as crianças vinham brincar com o Gigante. Mas o menino de quem o Gigante mais gostava, não tornou a aparecer. O Gigante era muio amável para todas as crianças, mas tinha saudades do seu primeiro amiguinho, e falava nele muitas vezes. "Como eu gostava de o ver!" costumava dizer.
Os anos passaram e o Gigante ficou muito velho e fraco. Já não podia brincar, e por isso, sentava-se num enorme cadeirão a observar as crianças nos seus jogos e, a admirar o seu jardim. "Eu tenho flores muito bonitas", dizia ele, "mas as crianças são as mais bonitas de todas".
Numa manhã de Inverno, olhou pela sua janela enquanto se vestia. Agora, já não odiava o Inverno, pois sabia que era apenas a Primavera a dormir e as flores a descansar.
De repente, esfregou os olhos maravilhado, e olhou, e tornou a olhar lá para fora. Era realmente, uma visão maravilhosa. No canto mais afastado do jardim estava uma árvore toda coberta de flores brancas. Dos seus ramos dourados pendiam frutos prateados, e por baixo da árvore estava o menino de quem o Gigante mais gostava.
O Gigante desceu as escadas a correr, cheio de alegria e saiu para o jardim. Atravessou a relva rapidamente e chegou ao pé da criança. Quando se aproximou, a sua cara ficou vermelha de raiva e perguntou: "Quem se atreveu a magoar-te?", pois nas palmas das mãos da criança viam-se as marcas de pregos, e nos seus pezinhos também se viam as mesmas narcas.
"Quem se atreveu a magoar-te?" gritou o Gigante; "diz-me para eu poder pegar na minha espada e matá-lo."
"Não!" respondeu a criança; "pois estas são as feridas do Amor."

"Quem és tu?" perguntou o Gigante, ai mesmo tempo que um respeito estranho se apoderou dele e o fez ajoelhar-se perante a criancinha.
E a criancinha sorriu para o Gigante e disse-lhe:" Um dia deixaste-me brincar no teu jardim; hoje virás comigo para o meu jardim, que é o Paraíso."
E nessa tarde, quando as crianças correram para o belo jardim, encontraram o Gigante morto debaixo da árvore, todo coberto de flores brancas.

“O Gigante Egoísta” de Óscar Wilde

Ilustrações de P.J.Lynch


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